As empresas públicas não precisam de Ministros, precisam de gestores

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1. Introdução: o dilema das empresas públicas angolanas

Em Angola, o debate sobre a ineficiência das empresas públicas tornou-se incontornável. Durante décadas, a gestão centralizada, a interferência política e a ausência de métricas de desempenho transformaram muitas dessas instituições em fardos orçamentais em vez de motores de desenvolvimento.

A questão fundamental não é a propriedade pública, mas o modelo de gestão que insiste em afastar a racionalidade económica e a meritocracia. Como observa a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), “as empresas estatais frequentemente acumulam mandatos contraditórios, o que as torna ineficazes e politicamente vulneráveis” (OECD, Corporate Governance of State-Owned Enterprises, 2015).

2. A proposta do “Private Equity Público”

O conceito de private equity público propõe uma renovação pragmática: unir a força do capital e da gestão privada à propriedade e missão pública.

Tradicionalmente, o private equity é um modelo de investimento privado em que fundos especializados adquirem participações em empresas, profissionalizam a gestão, aumentam o valor e depois vendem a sua parte com lucro.

No contexto estatal, essa lógica pode ser adaptada, não para privatizar, mas para profissionalizar e capitalizar as empresas públicas.

Segundo Lin et al. (2008), “a reestruturação de empresas estatais mediante melhorias de governança corporativa aumenta a eficiência e a competitividade, sem eliminar o papel estratégico do Estado” (Corporate Governance and State-Owned Enterprises, University of Florida).

3. Lições internacionais sobre governança e desempenho

Estudos internacionais reforçam que a qualidade da governança corporativa é o factor mais determinante para o desempenho das empresas públicas.

Kaunda e Pelser (2023), em estudo sobre países africanos, observaram que “a performance das empresas estatais está positivamente associada a conselhos de administração independentes, metas de desempenho claras e menor interferência política” (South African Journal of Business Management).

Heo (2018), por sua vez, comprovou que “a transparência e a divulgação de resultados têm relação directa com o desempenho das empresas estatais, enquanto a simples independência formal do conselho não é suficiente” (World Bank Policy Research Working Paper 8555).

Essas conclusões indicam que a governança importa mais do que a titularidade: o problema não está em ser estatal, mas em funcionar sem disciplina.

4. O contexto angolano: entre a dependência e a oportunidade

Em Angola, a maioria das empresas públicas — como a Sonangol, a Endiama e a TAAG — enfrenta desafios estruturais de endividamento, politização e baixa competitividade.

A falta de transparência e de mecanismos de responsabilização gera ineficiência sistémica, agravada pela duplicação de funções e ausência de metas claras.

Como observa a OCDE (2015), “objectivos vagos e contraditórios conduzem a responsabilidades diluídas e à má gestão”.

É urgente repensar o papel dessas empresas no modelo de desenvolvimento nacional, de modo a torná-las economicamente sustentáveis e socialmente úteis.

5. Como funcionaria o modelo de Private Equity Público em Angola

A proposta consiste em abrir o capital e a gestão de algumas empresas públicas estratégicas a parceiros institucionais — nacionais ou estrangeiros — mediante regras de governança transparentes e mecanismos de controlo do Estado.

O modelo poderia ser implementado em três etapas:

1. Capitalização estratégica: o Estado mantém o controlo accionário, mas atrai fundos privados que injectam capital e assumem responsabilidades de desempenho.

2. Governança profissionalizada: criação de conselhos independentes, metas claras, auditorias externas e remuneração variável por resultados.

3. Transição gradual: ao longo de cinco a dez anos, os parceiros privados ajudam a elevar o valor e a sustentabilidade da empresa, até que o Estado possa decidir entre retomar a gestão plena ou abrir o capital ao público.

O Fundo Soberano de Angola (FSDEA) já actua de forma semelhante, ao investir em sectores estratégicos com foco em retorno económico e social — uma demonstração de que é possível combinar interesse público com racionalidade financeira.

6. Benefícios e salvaguardas necessárias

Um modelo de private equity público pode:

Reduzir a dependência orçamental das empresas públicas;

Aumentar a transparência e a eficiência operacional;

Atrair know-how técnico e boas práticas internacionais;

Criar uma cultura de mérito e responsabilidade;

Preservar o controlo estratégico nacional sobre sectores-chave.

Contudo, devem ser garantidas salvaguardas essenciais, como:

Regulamentação independente para prevenir conflitos de interesse;

Auditorias externas obrigatórias;

Mecanismos de fiscalização pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia Nacional;

Critérios públicos para selecção de gestores e investidores;

Metas de desempenho social alinhadas com os objectivos do Plano de Desenvolvimento Nacional.

7. Conclusão: eficiência sem abdicar da soberania

Não se trata de uma escolha ideológica entre o público e o privado, mas de uma opção técnica por eficiência e sustentabilidade.
Como enfatiza a OCDE, “o Estado deve ser um accionista responsável, que exige resultados e transparência das suas empresas, tal como faria um investidor

Em Angola, adoptar um modelo de private equity público é reconhecer que o Estado pode ser dono, mas não precisa de ser o gestor directo. O importante é que as empresas cumpram o seu papel social e económico com eficiência, transparência e rentabilidade.

“Se o Estado é o proprietário, o cidadão é o accionista. E todo accionista merece retorno, não apenas promessas.”

Fonte: Portal de Angola

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